A Disfunção do Trato Urinário Inferior (DTUI) é um problema que afeta a forma como as crianças armazenam e eliminam a urina. Ela pode causar vários sintomas, como perda de urina, infecção, dor e alteração da frequência de ir ao banheiro. Além de prejudicar a qualidade de vida das crianças e dos pais, a DTUI pode trazer riscos para a saúde dos rins.
Neste artigo, vamos explicar o que é a DTUI, quais são as suas causas, como reconhecer os sinais de alerta e quais são as opções de tratamento disponíveis.
O que é a DTUI?
A DTUI é uma alteração da função normal do trato urinário inferior, que é formado pela bexiga e pela uretra. A bexiga é o órgão que armazena a urina produzida pelos rins, e a uretra é o canal que leva a urina da bexiga para fora do corpo.
Para que a micção ocorra de forma adequada, é preciso que haja uma coordenação entre a bexiga e a uretra, que são controladas por nervos e músculos. Quando a bexiga está cheia, ela envia um sinal para o cérebro, que decide o momento de esvaziá-la. Então, o cérebro envia um comando para relaxar o esfíncter da uretra, que é o músculo que fecha a saída da urina, e para contrair a bexiga, que empurra a urina para fora.
A DTUI acontece quando há uma falha nessa coordenação, fazendo com que a bexiga, a uretra e os músculos do assoalho pélvico não funcionem de forma sincronizada.
A DTUI é um termo amplo que descreve todo o espectro de distúrbios em qualquer uma das fases da micção (enchimento ou esvaziamento), na ausência de doença neurológica ou patologia obstrutiva do trato urinário.
Quais são as causas da DTUI?
Não há consenso na literatura sobre as possíveis causas da DTUI. No processo normal de desenvolvimento, a criança aprende a controlar melhor o trato urinário inferior com o auxílio do sistema nervoso central. Porém, algumas crianças recorrem a estratégias de contenção para prevenir os escapes urinários ou mesmo diminuir a vontade de urinar (por exemplo: sentam-se sobre o calcanhar para pressionar a uretra); outras contraem o assoalho pélvico para bloquear a contração do detrusor e postergar a micção. A contração dos músculos do assoalho pélvico, usada como um mecanismo voluntário para regular o ciclo do trato urinário inferior, pode perpetuar a DTUI e levar a uma hiperatividade do assoalho pélvico, que provoca alterações periféricas e centrais, criando um “novo” sistema de controle da micção. Esse sistema, mais frágil, é marcado pela perda da sincronia entre o músculo detrusor e o assoalho pélvico.
A DTUI pode ser causada por mudanças que vão desde a hiperatividade da bexiga até situações mais sérias que se relacionam com lesão do trato urinário superior.
Quais são os sintomas da DTUI?
Os sintomas da DTUI podem variar de acordo com o tipo de alteração da bexiga e da uretra, mas os mais comuns são:
Incontinência urinária: é a perda involuntária de urina, que pode ocorrer de forma intermitente ou contínua, durante o dia. Quando a perda de urina ocorre durante o sono é denominada enurese. A incontinência urinária pode estar associada a malformações do trato urinário, como ectopia ureteral ou lesão medular, ou a hábitos inadequados, como não ir ao banheiro antes de sair de casa ou brincar até o último minuto.
Alteração da frequência miccional: é o aumento ou a diminuição do número de vezes que a criança vai ao banheiro. A frequência normal varia de acordo com a idade e a ingestão de líquidos, mas em geral é de 4 a 7 vezes por dia. A frequência aumentada pode indicar uma bexiga hiperativa, uma infecção ou uma ingestão excessiva de líquidos. A frequência diminuída pode indicar uma bexiga hipotônica, uma postergação miccional ou uma ingestão insuficiente de líquidos.
Urgência miccional: é a necessidade súbita e inesperada de urinar, que pode ser difícil de adiar. A urgência miccional pode estar relacionada a uma bexiga hiperativa, a uma infecção ou a uma ingestão de alimentos ou bebidas que irritam a bexiga, como café, chá, refrigerante, chocolate, frutas cítricas e condimentos.
Dificuldade miccional: é a dificuldade para iniciar ou terminar a micção, que pode ser acompanhada de dor, ardência, jato fraco ou interrompido, gotejamento ou esvaziamento incompleto. A dificuldade miccional pode estar relacionada a uma bexiga hipotônica, a uma obstrução do trato urinário, a uma infecção ou a uma contração do esfíncter da uretra ou do assoalho pélvico.
Noctúria: é o despertar noturno para urinar, que pode ocorrer em crianças maiores de 5 anos de idade. A noctúria pode estar relacionada a uma bexiga hiperativa, a uma ingestão excessiva de líquidos à noite ou ao diabetes, por exemplo.
Como é feito o diagnóstico da DTUI?
O diagnóstico da DTUI depende de uma avaliação cuidadosa do médico, que deve levar em conta os seguintes aspectos:
Histórico clínico e familiar: o médico deve perguntar sobre os sintomas, a idade de início, a frequência, a duração, a intensidade, os fatores desencadeantes e os fatores de melhora ou piora da DTUI. Também deve perguntar sobre os hábitos miccionais, a ingestão de líquidos, a higiene íntima, a presença de constipação, a ocorrência de infecções, a existência de malformações, a história de traumas ou cirurgias, o uso de medicamentos, o desenvolvimento neuropsicomotor, o comportamento emocional e o histórico familiar de problemas urinários.
Exame físico: o médico deve examinar a criança, observando o seu estado geral, o seu crescimento, o seu desenvolvimento, o seu aspecto genital, o seu abdome, a sua coluna, o seu períneo, o seu ânus e o seu reto. Deve verificar se há sinais de infecção, de obstrução, de malformação, de lesão neurológica ou de alteração do assoalho pélvico. Deve avaliar a capacidade de contrair e relaxar os músculos do períneo e da uretra, e de iniciar e interromper o jato urinário.
Exames complementares: o médico pode solicitar alguns exames para confirmar o diagnóstico, descartar outras causas e avaliar a função renal. Os exames mais comuns são:
Urinálise: é o exame da urina, que pode detectar a presença de sangue, proteína, glicose, leucócitos, nitrito e bactérias, indicando uma possível infecção ou lesão renal.
Urocultura: é o exame que identifica o tipo e a quantidade de bactérias na urina, confirmando o diagnóstico de infecção e orientando o tratamento antibiótico.
Ultrassonografia: é o exame que usa ondas sonoras para produzir imagens dos órgãos internos, como os rins, a bexiga e a uretra. A ultrassonografia pode avaliar o tamanho, a forma, a posição, a textura e a presença de alterações estruturais ou funcionais no trato urinário. É um exame simples, indolor, não invasivo e sem radiação.
Urofluxometria: é o exame que mede o fluxo urinário durante a micção, registrando a velocidade, a força, a duração e o volume do jato. A urofluxometria pode identificar se há uma obstrução ou uma contração inadequada da bexiga ou da uretra, que podem interferir no esvaziamento adequado. É um exame rápido, não invasivo e que requer apenas que a criança urine em um aparelho especial.
Uretrocistografia miccional: é o exame que usa um contraste radiológico para visualizar a bexiga e a uretra durante a micção. A uretrocistografia miccional pode mostrar se há alguma malformação, estreitamento, divertículo ou fístula na bexiga ou na uretra, ou se há algum refluxo da urina da bexiga para os ureteres ou os rins. É um exame invasivo, que requer a introdução de um cateter na bexiga e a injeção de um contraste, que pode causar alergia ou infecção.
Como é feito o tratamento da DTUI?
O tratamento da DTUI depende da causa, do tipo, da gravidade e da repercussão dos sintomas, mas em geral envolve as seguintes medidas:
Medidas comportamentais: são orientações sobre a ingestão adequada de líquidos, a higiene íntima, o horário e a postura para urinar, o uso de alarmes ou lembretes, o tratamento da constipação e a modificação de hábitos que possam irritar a bexiga, como o consumo de cafeína, refrigerantes, chocolate, frutas cítricas e condimentos. As medidas comportamentais atuam como um treinamento, a fim de melhorar a coordenação e o controle da micção. Além disso, as medidas comportamentais podem ajudar a prevenir ou tratar a disfunção vesico-intestinal, que é a presença de constipação associada a uma disfunção do trato urinário inferior. A disfunção vesico-intestinal pode agravar os sintomas da DTUI e causar danos ao trato urinário.
Medicamentos: são usados para aliviar os sintomas, tratar as infecções, relaxar a bexiga. Os medicamentos devem ser prescritos pelo médico, de acordo com a indicação, a dose e a duração, devendo sempre ser salientados os efeitos colaterais de cada um. Alguns exemplos são os antibióticos, os anticolinérgicos, os alfa-bloqueadores e os antidepressivos tricíclicos. A toxina botulínica está reservada para casos mais severos e é administrada via endoscópica na bexiga.
Fisioterapia: é o uso de técnicas e exercícios para fortalecer e relaxar os músculos do assoalho pélvico, que são responsáveis pelo suporte e pelo fechamento da bexiga e da uretra. A fisioterapia pode ajudar a prevenir ou tratar a incontinência, a urgência, a dificuldade e a dor na micção. Alguns exemplos são a cinesioterapia, a eletroestimulação, o biofeedback e os cones vaginais.
Cirurgia: está reservada para os casos refratários ao tratamento clínico e medicamentoso. Constituem procedimentos para auxiliar o esvaziamento vesical, aumentar a capacidade da bexiga, ou mesmo melhorar o esvaziamento intestinal nos casos em que a constipação também está presente.
Qual é a importância de reconhecer e tratar a DTUI?
A DTUI é uma condição que pode ser prevenida, controlada e tratada, desde que seja reconhecida precocemente. Caso contrário, ela pode trazer sérias consequências para a saúde e para a qualidade de vida das crianças e dos pais, tais como:
Danos ao trato urinário superior: a DTUI pode causar um aumento da pressão na bexiga, que pode ser transmitida para os ureteres e os rins, causando dilatação, infecção, cicatriz e perda de função desses órgãos.
Infecções recorrentes: a DTUI pode favorecer o crescimento e a proliferação de bactérias no trato urinário, causando infecções frequentes e resistentes, que podem se disseminar para a corrente sanguínea e causar sepse. As infecções podem agravar os sintomas da DTUI e aumentar o risco de danos ao trato urinário superior.
Problemas psicossociais: a DTUI pode causar um constrangimento emocional aos pais e às crianças, que podem se sentir culpados, envergonhados, ansiosos, deprimidos, isolados, rejeitados, estressados ou com baixa autoestima. A DTUI pode interferir na rotina, no desempenho escolar, nas atividades físicas, nas relações familiares, nos relacionamentos sociais e na sexualidade das crianças.
A DTUI é um problema comum que afeta a capacidade das crianças de armazenar e eliminar a urina de forma adequada. Ela pode causar sintomas que podem prejudicar a qualidade de vida das crianças e dos pais, além de representar um risco para a saúde renal.
O diagnóstico da DTUI depende de uma avaliação cuidadosa e ampla do médico. O tratamento da DTUI envolve desde medidas comportamentais e fisioterapia, tratamento medicamentoso e até cirurgia para os casos mais severos.
A DTUI é uma condição que pode ser prevenida e tratada. O diagnóstico precoce diminui a repercussão clínica e psicossocial na criança e na família. Por isso, é importante que os pais estejam atentos aos sinais de disfunção urinária nas crianças e procurem ajuda médica especializada quando necessário.
Fontes:
https://uropediatriagoiania.com.br/
https://www.scielo.br/
https://www.sprs.com.br/
https://www.sanarmed.com/